Nessa conjectura, a partir da narrativa bíblica do Filho pródigo (Lc 15.11-32). O filho simboliza os perdidos e desviados dos caminhos do Senhor, o pai simboliza “Deus”, a terra distante simboliza o mundo. NARRATIVA DE LUCAS A PARTIR DA PESPECTIVA DO FILHO PRÓDIGO
Eu nasci em uma família nobre. Meu pai era um homem rico, tinha uma grande fazenda, muitos empregados, nossas atividades econômicas desde muitas gerações era a agricultura e agropecuária. Desde cedo, nosso pai nos ensinou a sermos pessoas dignas. Começamos a trabalhar ainda muito cedo. Apesar de nosso pai ter muitos empregados, ele nos levava também para o campo, para aprendermos desde cedo a importância do trabalho, da responsabilidade, do cumprimento das obrigações.
Meu pai sempre dizia; "o que define uma pessoa não são os bens que ele possui, mas o seu caráter". Os pilares morais de nosso pai se concentravam em três eixos principais: dignidade, sinceridade, responsabilidade. Estes três pilares foram transmitidos por gerações, e nosso pai queria também, nos deixar este legado. Por isso, nosso pai as vezes era um homem severo. As vezes ele cobrava muito de nós. Às vezes eu, e meu irmão mais velho questionávamos o porquê daquilo tudo, e nosso pai sempre dizia que aquilo tudo, toda aquela rigidez era para o nosso bem, um dia iriamos entender tudo, e iriamos agradecer a ele. Nosso pai era muito rígido com tudo, depois que tornamos moços, nós tínhamos uma rotina diária mais severa, íamos todos os dias para o campo, para o trabalho, exceto aos sábados, pois era o dia divino de descanso. Nosso pai nos ensinou bem cedo que cumprir a lei divina era nossa maior responsabilidade. Nós tínhamos reuniões todos os sábados em nossa casa, além de um programa de oração três vezes ao dia conforme o costume de nosso povo. Nosso pai nos ensinou que deveríamos cumprir todos estes preceitos por todos os dias de nossa vida. Papai não gostava que chegássemos atrasados em nossas reuniões espirituais de culto e oração. Ele dizia que a maneira como nos relacionamos com Deus iria definir nosso sucesso ou fracasso. Além de ser severo na questão da pontualidade nas reuniões espirituais, nosso pai também era severo quanto à responsabilidade no trabalho, e nos afazeres domésticos. Meu pai gostava de tudo perfeito, e em tudo isso, ele era para nós um exemplo.
Nunca vi meu pai maltratar ninguém, nem seus empregados, nem mesmo os nossos credores. Vi muitas vezes meu pai perdoar dívidas de alguns credores; vi muitas vezes meu pai matar alguns animais para alimentar algumas pessoas necessitadas, a abraçar e beijar os órfãos e viúvas, e acolhe-las em casa. Nosso pai era um homem generoso, exemplar, ele era o nosso modelo de vida, tudo o que ele exigia que fizéssemos ou fossemos, ele nos dava o exemplo na prática. Os empregados de nosso pai o amava, por que apesar de ser um homem severo, era um homem muito justo, uma qualidade muito rara em nossa sociedade, onde todo mundo queria tirar o máximo de proveito das pessoas mais simples. Nosso pai, no entanto, fazia justamente o contrário. Meu pai era diferente, era um homem sempre definido e determinado, um homem que não vivia para si mesmo ou para seus desejos egoístas, mas para a nossa família, para ajudar os outros e honrar a Deus. Assim crescemos nesse contexto, nos ensinamentos de nosso pai, cumprindo a lei de Deus, aprendendo a valorizar as pessoas, a ajudar os necessitados, a ter carácter, ser responsável, pontual, zeloso no que tange as coisas de Deus. Meu pai, por ser um homem religioso e temente a Deus, às vezes agia com severidade diante de algumas atitudes nossas, que lhe desagradava. Quantas vezes ele nos colocou de castigo, quantas vezes ele se nos submetia a outras formas de disciplinas bem rigorosas. Eu as vezes questionava com meu irmão o porquê de tudo aquilo, e até com nosso pai. Sua resposta era sempre a mesma; tudo o que eu faço com vocês hoje, é para o vosso bem, se faço é porque vos amo e quero sempre o melhor para vocês meus filhos. Ele sempre nos dizia que o pai que verdadeiramente ama seu filho, o disciplina. Às vezes naqueles momentos de tensão eu questionava se realmente nosso pai nos amava. Parecia que nosso pai compreendia muito bem as pessoas de fora, e tratava elas com bondade, mas a nós tratava com tanta severidade. Como pode ele nos amar e ser tão duro conosco, tão severo? Indagava eu. Mas logo tudo passava e nossa vida voltava ao normal. Eu gostava de meu pai, apesar de ser um homem duro; ele sempre tinha aquele momento para nós, onde contava-nos algumas histórias interessantes, brincava conosco, nos abraçava e nos beijava, e sempre dizia que nos amava. Mas, por ser um homem muito severo, às vezes me dava vontade de sair de casa, eram muitas exigências, muitas cobranças, apesar de nosso pai não deixar nos faltar nada. Quando me tornei um homem adulto, comecei a questionar os valores de meu pai, e suas intenções para conosco. Passei a conhecer novas amizades, e meus colegas sempre me dizia que eu estava perdendo o melhor da vida, me diziam que eu nunca seria um homem de verdade pois vivia na barra do pai. Diziam que eu parecia um bebezão, pois dependia do nosso pai para tudo. Zombavam da maneira como fomos criados por nosso pai, sempre com respeito, reverência e temor. Aquelas palavras aos poucos foram impregnando minha mente, comecei a ter algumas crises de existência, e a questionar veementemente os ensinamentos e intenções de meu de meu pai para comigo; será que tudo isso realmente era necessário? Perguntava eu.
Meus colegas começaram a mim mostrar outros caminhos, comecei a experimentar coisas diferentes. Nós fomos criados por nosso pai em um contexto muito inocente e puro, longe das bebedeiras, orgias, concupiscências, etc. mas quando comecei a provar todas àqueles coisas diferentes, percebi que minha inocência aos poucos foi se esvaindo. Comecei a sentir-me, como se estivesse perdido, o ambiente da casa de meu pai já não era apropriado para mim pois comecei a viver e a desejar um mundo diferente, totalmente hostil aquele que eu tinha. Eu fiquei muito confuso, mas meus colegas disseram que isso era normal, pois eu era novo no pedaço, mas o melhor estava por vir, os fins justificariam os meios, diziam eles. Eu acreditei e passei a desejar ainda muito mais a minha independência. Dentro de mim algo dizia que eu iria me dar mal, mas meu coração pedia aquela liberdade cada dia mais veementemente. Quando estava já bastante envolvido com aquela vida nova e estranha, passei a evitar meu pai. Passei a evitar as nossas reuniões familiares, brincadeiras, nossos momentos a sós, meu pai era um pouco extrovertido, quando estava brincando as vezes parecia uma criança, mas quando agora, me abraçava e me beijava e dizia, filho “eu te amo”, eu não conseguia dizer “eu também te amo papai”. Eu via então que ele saia cabisbaixo e triste. Comecei também a faltar as reuniões de oração, e os cultos nos sábados. Às vezes eu ia, mais sentava no ultimo banco. Eu me sentia indigno de tudo aquilo, um completo estranho. Aquele parecia não ser mais meu mundo. Me tornei amigo daquilo que me era estranho, e estranho para aquilo que era normal. Comecei a perceber uma constante tristeza no rosto de meu pai, nunca tinha visto meu pai chorar, mas agora o via a chorar solitário em suas orações particulares. Foi difícil ver meu pai naquela situação, pois eu sabia que ele chorava por minha causa, não era aquilo que ele queria para mim, nem o que ele tão dedicadamente me ensinou. Mas para mim já era tarde demais, minha situação parecia irremediável pois eu estava muito envolvido com a nova vida indiferente. Apesar de todo constrangimento entre eu e meu pai, o desejo pela independência crescia cada dia mais. Eu queria ser livre, eu queria desfrutar da vida, eu queria fugir daquele mundo do meu pai, que para mim já era tão pequeno, pois depois de provar muitas coisas boas para satisfação da carne, meu desejo era desbravar cada dia mais, e obter novas experiências. Foi então que tomei uma decisão, fui até a presença de meu pai e pedi a ele que me desse aquilo que era meu por direito, porque eu iria viver a minha vida em outro lugar, e um lugar bem distante. Quando meu pai ouviu essas palavras ele ficou em silêncio por mais de um minuto, eu pude ver algumas lágrimas saindo de seus olhos e rolar pelo seu rosto, ele tentou disfarçar passando as mãos nos olhos, recobrou forças, e retrucou, “tudo bem meu filho, me dê alguns dias para que venda parte da fazenda e dê aquilo que te pertence”. Parecia que ele já sabia que aquilo um dia iria acontecer. Passando alguns dias ele me chamou em particular, me entregou um saco de dinheiro que era a parte da herança que me cabia. Me deu o último abraço, e o último beijo e disse; “filho eu te amo”. Eu procurei sair logo da presença do meu pai pois queria evitar o máximo de constrangimento pois eu não conseguia olhar fixamente em seus olhos. Olhei na bolsa e tinha muito dinheiro, eu nunca tinha visto tanto dinheiro na minha vida. Poucos dias depois já determinado, arrumei as minhas coisas e me mudei para uma terra muito distante. Me estabeleci em um lugar importante, onde as pessoas eram mais liberais, lá as pessoas não tinham regras, tudo era permitido. Eu tinha, então, agora tudo o que eu queria, liberdade, dinheiro, nada de regras, e tempo livre para fazer tudo o que eu queria. Logo no início eu arranjei muitos amigos, nunca tive tantos amigos na minha vida. Agente se divertia bastante, éramos todos uns fora da lei, não tinha ninguém para nos impor limites, e durante este período de libertinagem e euforia eu perdi a noção de tempo, e espaço, cada dia nos dedicávamos a fazermos algo diferente. Fazíamos festas no meio de semana, e aos fins de semana também, nos divertíamos bastante, era só farra e festa. Eu tinha o maior prazer de arcar com todas àquelas despesas, afinal de contas eu tinha muito dinheiro. Passamos muitos dias naquela rotina, nós tínhamos um dilema, “viva a liberdade”. Tudo o que fazíamos era em nome da liberdade, pois isso quando estávamos reunidos em nossas festas gritávamos eufóricos gritávamos o tempo todo, “viiiva a liberdaaaade”. Eu dizia para os meus amigos que havia perdido boa parte da minha vida, vivendo sob regras na casa de meu pai. Eles concordavam comigo e diziam; então agora vamos festejar em dobro para recuperarmos o seu tempo perdido, e assim então era mais uma noite de festa, bebedeiras, prostituição, e tudo que o dinheiro podia comprar. Um dia, no entanto, percebi que o meu dinheiro estava acabando, mais não quis demostrar isso diante dos meus amigos, pois afinal, eu era o promotor de todos as nossas festas. Tínhamos ainda muitas programações em mente. Eu também tinha medo que eles me abandonassem. Fiquei calado e continuamos com nossa diversão. Mais alguns dias se passaram, eu já não tinha mais dinheiro, alguns dos meus amigos perceberam isso e começaram a se afastar de mim. Marcamos um outro dia de festa, mas eu não tinha mais dinheiro então eu reuni meus amigos restantes e contei a eles sobre essa questão, foi aí então que todos eles me abandonaram. Eu não tinha mais dinheiro nem para pagar o aluguel do quarto que eu morava, e os donos então me despediram, eu fiquei sem dinheiro, sem amigos e sem lugar para morar. Para piorar a situação, a região que eu estava foi acometida por uma grande fome, e faltou comida naquela terra. Para tentar sobreviver, eu deixei a cidade e fui para os campos suplicar por comida, mas, ninguém me dava nada. As pessoas me confundiam com um mendigo, pois minhas roupas estavam sujas e cheiravam mal. Eu ficava vagando de um lugar para outro até que alguém me ofereceu um serviço; apascentar seus porcos no campo. Eu não tinha muito conhecimento sobre manejo de porcos, porque para o nosso povo eles são considerados imundos. Eu tinha tudo, mas achava que não tinha nada, eu era feliz, mas achava que minha vida era uma desgraça. Eu era um homem digno, mas me tornei um homem imundo, e agora me mandam a apascentar os porcos imundos. Onde eu vim parar, e o que me tornei?... Eu era um homem robusto, mas percebi que eu começava a perder peso, em poucos dias meus ossos começaram a pegar na minha pele, porque eu não encontrava o que comer. Desejei muitas vezes até me alimentar das comidas que os porcos comiam, mais nem isso eles me davam. As pessoas me desprezavam, me humilhavam, para eles minha vida não tinha nenhum valor, eu mesmo já havia acreditado nisso também. Eu estava num buraco sem fundo, eu estava sem esperança, pensei algumas vezes no suicídio. Foi aí então que eu comecei a lembrar de quando eu estava na casa de meu pai. Lá não me faltava nada, lá eu tinha tudo em abundância. Lá eu tinha dignidade, lá eu era um filho amado, lá eu tinha o beijo e o abraço de meu pai, lá eu recebia muitas palavras de elogio de meu pai, ele me chamava de filho querido, meu orgulho, meu filho amado, seus gestos de carinho e amor eram constantes, mas aqui... aqui as pessoas me xingam, me desprezam, não tenho nenhum valor para eles. Sou considerado um lixo, e já também eu me sinto como tal por causa de todas as coisas que me tem acontecido. Um certo dia, em meio as minhas profundas reflexões, me veio então o profundo desejo de voltar para casa de meu pai. Estou determinado a voltar para casa de meu pai e suplicar que ele me aceite de volta, pelos menos como um de seus empregados. Quando eu chegar diante de meu pai... Deus, me dê essa chance de poder ver mais uma vez a face de meu pai, eu vou pedir a ele que me aceite de volta em sua casa, pelo menos na condição de um de seus empregados. Reuni todas as forças que eu tinha, e fui caminhando de volta para casa de meu pai. Essa foi a mais difícil jornada por mim percorrida. Eu estava fraco, havia dias que não me alimentava, as vezes eu caia no caminho, as vezes eu parava um pouco e assentava, ali eu chorava bastante, e pedia a Deus forças, porque eu queria ver a faça do meu pai pelo menos mais uma única vez. Enquanto eu caminhava voltando para casa de meu pai, muitas viajantes passavam por mim, mais ninguém me ajudou, ninguém estendeu as mãos para mim, eu estava sozinho...eu estava sozinho. Depois de muitos dias de viagem por fim eu avistei a casa de meu pai, eu estava exausto, passando fome e sede, maltrapilho, minhas vestes e meu corpo exalava um odor péssimo. Avistar a casa de meu pai, parecia para mim como um sonho. Eu havia chegado à casa de meu pai... Parecia ser um dia normal, os empregados de meu pai estavam no trabalho juntamente com meu irmão mais velho. Der repente, ainda ao longe consegui avistar um velho homem, estava sentado, parecia estar refletindo sobre algo, ele estava de cabeça baixa pensativo, eu sorri dentro de mim, era o meu pai...meu coração bateu forte, parecia querer saltar dentro do meu peito, que grande alegria poder ver meu velho pai mais uma vez. Der repente, percebo que ele levanta a cabeça, olha em minha direção, ele me vê. Em um salto, pôs-se imediatamente em pé e começou a correr em minha direção, eu também queria correr, mais eu não tinha forças, eu estava fraco, mas meu pai corria com todas as suas forças em minha direção, suas forças pareciam estar revigoradas, e quando ele se aproximou me lancei em seus braços, ele me abraçou fortemente...meu pai ainda mim conhecia... eu estava maltrapilho, desidratado e desfigurado; mas aquele que me havia gerado me conheceu de longe. O pai sempre conhece o seu filho, não importa como ele esteja... o pai sempre conhece o seu filho. Abracei meu pai, e fiquei por um longo período segurando meu pai nos braços, choramos, nos abraçamos e nos beijamos por várias vezes, então eu exclamei e disse: “Pai, pequei contra os céus e perante ti e já não sou digno de ser chamado seu filho”. Meu pai não deu a mínima para as minhas palavras e disse em voz alta para todos que se encontravam reunidos “trazei depressa a melhor roupa, vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, tinha se perdido e foi achado. A partir de então começou a haver alegria e grande festa. Naquele momento minha dignidade foi devolvida, minhas forças se revigoraram pois encontrei o perdão e misericórdia do meu pai. Por Marciel A. Delfino
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