INTRODUÇÃO
Vez ou outra ouvimos pastores, pregadores e crentes falarem sobre o tema da cobertura espiritual mesmo que usando outras palavras ou terminologias. Constantemente ouvimos falar sobre a ideia de que um membro da igreja está ou esteve sob a cobertura espiritual de outro, seja o membro da igreja sob a cobertura espiritual do pastor, o filho sob a cobertura espiritual de sua mãe que intercede por ele e assim por diante.
Muitas pessoas testemunham este tipo de milagre depois de serem alcançados pela salvação de Deus, que sua conversão é fruto da intercessão da igreja, dos pais, ou de um outro determinado intercessor.
À primeira vista, esse posicionamento pode ser interpretado como uma forma de misticismo religioso ou uma espiritualização da fé. No entanto, por mais que esse conceito pareça tendencioso, a ideia de cobertura espiritual está presente nas Escrituras.
Realmente, muitos posicionamentos nesse sentido podem fugir daquilo que as Escrituras realmente dizem, mistificando e espiritualizando aspectos da fé, e nós precisamos ser cautelosos nesse ponto. No entanto, ao que tange ao conceito de cobertura espiritual ele está sim refletido nas Escrituras, ora de forma mais direta, ora indireta.
DEFININDO A COBERTURA ESPIRITUAL
Cobertura, lembra algo que tem a função de cobrir, proteger, limitar ou delimitar. A cobertura espiritual tem por objetivo nos cobrir, proteger, e limitar ou delimitar o poder ou as influências do inimigo contra as nossas vidas.
Assim, estar coberto espiritualmente significa estar protegido, livre das influências externas que podem nos atingir de alguma forma.
Com base nas Escrituras, podemos entender a cobertura espiritual sobre três aspectos distintos:
a cobertura espiritual no sentido de buscar os recursos espirituais de Deus, munindo-se ou revestindo-se, totalmente deles (esta cobertura pode ser entendida com o resultado da busca do crente pelo poder de Deus);
a cobertura espiritual no sentido de estar debaixo dos cuidados e proteção constantes do Senhor (nessa perspectiva Deus atua diretamente como um agente protetor sobre o crente);
a cobertura espiritual no sentido de um indivíduo receber a proteção e o livramento de Deus por meio da intercepção do outro (nesse sentido Deus intervém em prol de um indivíduo por meio da intercessão de outro).
Abaixo, analisaremos cada caso de forma individualizada. Contudo, em todos os casos devemos estar cientes que Deus é o agente principal e fundamental da cobertura espiritual. Mesmo vendo por perspectivas diferentes, Deus é o único capaz de nos livrar do poder e influências do mal.
OS INIMIGOS DO CRENTE
Para entendermos melhor este tema, precisamos entender primeiramente quem são os inimigos do crente a luz das Escrituras. Jamais seremos capazes de entender o verdadeiro significado de cobertura espiritual, sem compreender de fato quem são os nossos reais inimigos e quem ou o quê de fato está procurando nos influenciar para o mal.
Biblicamente falando, o crente possui três principais inimigos:
Diabo “e suas hostes”.
Carne “natureza humana caída”.
Mundo “sistema organizado que se opõe a Deus e a seu Reino de forma persistente e sistemática”.
Estes são meios ou veículos pelos quais a tentação se manifesta. Estes são considerados fontes da tentação.
Mas, o que é tentação? “Na perspectiva bíblica, tentação é a inclinação ou tendência do ser humano à prática daquilo que é considerado impróprio ou pecado”.
As Escrituras neotestamentárias nos orientam sobre como podemos vencer cada inimigo:
Sobre o diabo, as Escrituras dizem: Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós (Tg 4.7).
Sobre a carne, as Escrituras dizem: Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar (1 Co 10.13).
E, sobre o mundo diz: Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre (1 Jo 213-15).
O propósito da tentação é nos instigar a prática do pecado, isto é: levar-nos a consumação dos atos condenados pela lei moral divina.
A COBERTURA ESPIRITUAL POR MEIO DOS RECURSOS ESPIRITUAIS DE DEUS
Quando Paulo fala da armadura espiritual em Efésios 6, ele está falando de uma espécie de proteção de Deus que tem como propósito proteger os crentes dos ataques dos seus inimigos espirituais, a carne, o mundo e o diabo.
A armadura espiritual, que é formada por diversos acessórios, aponta para a totalidade dos recursos de Deus colocados à disposição dos crentes para que, munido plenamente deles, os crentes consigam identificar e vencer as astutas ciladas do diabo.
Paulo, fala do “cinto da verdade”, da “couraça da justiça”, do “capacete da salvação”, do “escudo da fé”, da “espada do espírito que a Palavra de Deus” e, do “calçar os pés na preparação do evangelho da paz”.
Cada acessório citado acima, que formava a armadura do soldado romano tinha a função de proteger um órgão vital do corpo. Assim, também, a armadura espiritual de Deus tem por objetivo proteger o crente nos aspectos mais vitais e íntimos, a sua alma.
Cada acessório que compõe a armadura espiritual de Deus torna-se imprescindível para aqueles que foram alistados para a guerra espiritual e estão constantemente em um campo de guerra.
As batalhas espirituais que o crente trava contra os seus inimigos é constante. Não podemos baixar a guarda.
O crente precisa estar sempre pronto para não somente se defender dos ataques do inimigo, mas também trabalhar na ofensiva caso seja necessário.
Muitas outras referências aludem ao conceito de cobertura espiritual como o resultado da busca do crente pelos recursos espirituais de Deus.
Jesus enfatiza: Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca (Mc 14.38). Claramente, Jesus está falando de uma cobertura espiritual que podemos obter por meio da oração e da vigilância, que nos condiciona a vencer a carne.
O Escritor aos Hebreus salienta: Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno. O escritor aos Hebreus destaca a graça outorgada por Cristo como um recurso imprescindível contra a tentação. A graça de Deus aqui lembra a capacidade que Deus nos outorga diariamente para vencermos o pecado e o mal (Hb 4.5).
As Escrituras Sagradas, como a espada do Espírito, também assume um papel relevante na vida do crente. Na condição de arma espiritual, as Escrituras Sagradas exercem um papel tanto defensivo como ofensivo.
Apesar de falarmos de três inimigos distintos, esses inimigos sempre atuam de forma conjunta, na intenção de conduzir o crente ao pecado. Tanto a carne como o mundo, recebem influências diretas do diabo, que é o nosso arqui-inimigo.
COBERTURA ESPIRITUAL NO SENTIDO DE ESTAR DEBAIXO DOS CUIDADOS E PROTEÇÃO DE DEUS
O salmista no salmo 91 afirma que aquele que habita no esconderijo do altíssimo, a sombra do onipotente descansará (v 1).
O esconderijo do altíssimo e a sobra do onipotente, falam de uma forma de cobertura espiritual. Este tipo de proteção espiritual é fruto do cuidado e proteção diretas do Senhor. Há muitas coisas que acontecem no mundo espiritual que nós não temos consciência que existem:
O salmista continua falando:
Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa. Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel. Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia, nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti (Sl 91.3-7)
Percebe-se que o Salmista não estava falando apenas de livramento de inimigos humanos, mas de forças espirituais do mal que vivem em regiões celestiais e que pelejam contra a vida do crente. Expressões como “laço do passarinheiro”, “peste perniciosa”, “terror da noite”, “seta que voe de dia”, “peste que anda na escuridão” e “mortandade que assolam ao meio-dia” lembram as forças do mal que atuam nas regiões celestiais em suas múltiplas formas e expressões.
Quando falamos desse tipo de cobertura espiritual, nem sempre falamos de méritos pessoais, isso é, ser livre do mal porque estamos em comunhão com Deus. Deus pode preservar ou conservar das influências do mal mesmo aqueles que não o conhecem, mas que Ele tem planos na vida deles.
Assim, este tipo de cobertura espiritual pode ser entendido como um ato da soberania de Deus.
As Escrituras registram alguns incidentes em que as forças espirituais do bem estiveram travando batalhas espirituais contra as foças do mal.
O caso mais comum é o exemplo de Daniel (Dn 11.21). O texto descreve um encontro espiritual em que um mensageiro celestial (o anjo Gabriel) revela a batalha entre forças espirituais, representadas pelos príncipes da Pérsia e da Grécia, e a intervenção do Arcanjo Miguel para ajudar o mensageiro a cumprir sua missão.
Essa passagem nos faz refletir sobre como as influências das forças do mal no mundo espiritual podem passar despercebidas aos nossos olhos humanos, mas que há uma luta constante entre o bem e o mal, e que muitas vezes somos protegidos por forças superiores sem nem mesmo percebermos.
Aqui temos um exemplo clássico de um servo de Deus que está debaixo da cobertura divina, isso é a Sombra do Onipotente. Assim como Daniel, podemos estar expostos as mesmas situações, mas Deus livra o seu povo. Como diz o salmista: O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra (Sl 34.7).
De igual modo, temos também o exemplo clássico de Elizeu e seu servo: “E orou Eliseu, e disse: Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (2 Rs 6.17). O servo de Elizeu temeu quando viu que a cidade estava cercada dos exércitos inimigos, no entanto, mediante a oração de Elizeu seu servo consegue enxergar que ali também havia um enorme exército do Rei dos céus para pelejar por eles.
O apóstolo João salienta: Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca (Jo 5.18).
Como já foi dito a cobertura espiritual de Deus também delimita a influência do inimigo. Podemos ver isso de forma prática no exemplo de Jó. Jó era um servo temente a Deus. O próprio Deus o elogiou por causa de sua integridade.
Jó é um dos poucos homens a quem Deus elogia nas Escrituras. Contudo, quando um servo de Deus consegue atrair a atenção de Deus, é certo que também atrairá a atenção do diabo.
Ao ouvir a confissão de Deus sobre Jó, o diabo tenta incitar a Deus contra ele. Deus conhecia a veracidade da integridade de Jó, mas queria provar ao diabo que Jó não o servia por causa do benefício que Dele havia recebido, ou pelos bens que possuía, mas por aquilo que Ele era.
Jó era um servo fiel. Deus permite ao Diabo tirar tudo de Jó, no entanto, não permite ao diabo tocar em sua vida. A vida de Jó foi poupada por Deus. Isso ocorreu porque Deus delimitou a influência do inimigo sobre a vida dele.
Em nenhum momento, Jó reclama contra o inimigo por causa de sua condição caótica, ele reclama contra o próprio Deus, pois o crente não tem que se preocupar sobre onde Deus permite que a influência do inimigo vai em sua vida, mas confiar inteiramente na providência de Deus. Se o Senhor permite-nos passar por provações, certamente ele tem um propósito nobre por traz disso.
A COBERTURA ESPIRITUAL POR MEIO DA INTERCEPÇÃO DO OUTRO
Esta forma de cobertura espiritual tem o seu ponto de partida no princípio bíblico da intercessão.
A intercessão é um tema muito importante tratado na Bíblia. Ela nos ensina a importância de interceder por outros, como mencionado em 1 Timóteo 2:1, onde Paulo exorta que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos. A intercessão pode ser vista como um ato de amor e solidariedade, onde nos colocamos no lugar do outro diante de Deus.
Quando intercedemos por alguém, estamos levando suas necessidades diante de Deus e confiando que Ele é capaz de abençoar, proteger e livrar essa pessoa. A Bíblia nos mostra o exemplo de Abraão intercedendo por Sodoma em Gênesis 18:22-33, onde sua intercessão demonstra o cuidado e a preocupação com a justiça divina.
Quanto à cobertura espiritual, podemos observar em Tiago 5:16 que a oração do justo é poderosa e eficaz. Isso nos mostra que a intercessão não só traz benefícios para aquele por quem intercedemos, mas também fortalece espiritualmente aquele que intercede.
Em Atos dos apóstolos, capítulo 12, vemos o relato de Pedro sendo mantido na prisão por Herodes, mas a igreja estava constantemente orando por ele. Mais tarde, um anjo do Senhor aparece, liberta Pedro da prisão e o guia para fora da cidade. Esse é um exemplo poderoso do poder da intercessão da igreja em favor de um irmão em Cristo.
O exemplo da oração de Esdras e a resposta de Deus demonstram como a intercessão pode resultar na proteção e no livramento divino para aqueles por quem oramos (Esdras 8:21-23). Esdras e o povo estavam diante de um desafio e reconheceram a importância de buscar a orientação e proteção de Deus por meio da oração e do jejum.
Essa história nos mostra como a intercessão pode influenciar diretamente o resultado de uma situação, demonstrando o cuidado e o poder de Deus em responder às nossas petições em favor dos outros.
CONCLUSÃO
Com base no estudo que realizamos sobre cobertura espiritual, podemos concluir que a ideia de cobertura espiritual, embora possa ser mal compreendida e até mesmo deturpada em alguns contextos, está fundamentada nas Escrituras. A prática da intercessão e a busca dos recursos espirituais de Deus são aspectos essenciais da cobertura espiritual, que se manifesta de diferentes maneiras na proteção, no livramento e no cuidado divino sobre a vida dos crentes.
Ao entender a cobertura espiritual como um meio de buscar os recursos espirituais de Deus, estar debaixo dos cuidados e proteção constantes do Senhor, e receber proteção e livramento por meio da intercessão de outros, percebemos a importância e a relevância desse conceito em nossa jornada espiritual.
Portanto, ao aplicarmos corretamente os princípios bíblicos da cobertura espiritual em nossas vidas, podemos experimentar a proteção, o cuidado e o livramento de Deus em meio aos desafios e adversidades. Que possamos buscar essa cobertura espiritual em Deus e também ser instrumentos de intercessão e proteção para aqueles que nos cercam.
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